Os cruéis experimentos da indústria armamentista israelense
Texto traduzido integralmente do site Pulitzercenter.org. Foi escrito em 2016 por Matt Kennard, pesquisador da Action on Armed Violence do Reino Unido e jornalista investigativo que já passou por diversos veículos, entre eles The Guardian e The Interpect. Imagem por Matt Kennard.
Texto original disponível aqui:
The Cruel Experiments of Israel's Arms Industry
Iyda Haddad, investigador palestino. Foto por Matt Kennard. Palestina, 2016. |
______________________________________
Nos fundos do principal hospital de Ramallah fica a casa de Iyad Haddad, investigador de direitos humanos de 52 anos. Seu escritório fica na fachada de um prédio decrépito e, à primeira vista, parece uma loja de bugigangas. Mas os objetos espalhados pelas superfícies não são bugigangas, são na verdade munições, bombas de gás lacrimogêneo, balas de espuma e cartuchos.
Haddad passou as últimas três décadas documentando a violência das forças israelenses que ocupam as terras do seu povo. Essas horríveis lembrancinhas são o testemunho desse processo.
Muitas dessas armas foram disparadas contra manifestantes pacíficos que protestavam contra o muro de Israel e os assentamentos na Cisjordânia ocupada. As aldeias de Nilin, Bilin e Nabi Saleh organizam protestos regulares há anos. Para a minha surpresa, Haddad não aprova essas manifestações.
“Às vezes eles estão nos usando para saber como usar cada tipo de arma”, disse ele. “Para mim, esse tipo de atividade dos palestinos torna-se útil para os israelenses porque transforma esta área num laboratório para testar suas armas, para desenvolvê-las e torná-las um setor comercial para vendê-las a outros países.”
A ideia de que a indústria de armamento israelita beneficia da ocupação por ter uma população cativa na qual pode testar novas armas é agora amplamente aceita.
Israel testa armas na Cisjordânia e em Gaza e depois as apresenta como “comprovadas em batalha” ao mercado internacional.
A bomba de gás lacrimogêneo de alta velocidade foi fortemente testada em Bilin. Em 2009, a arma matou Bassem Abu Rahmah, um ativista local desarmado que protestava contra o muro que cortava a aldeia. No final de 2011, outro manifestante, Mustafa Tamimi, foi morto em Nabi Saleh por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada contra sua cabeça.
Há uma sensação de cansaço na voz de Haddad. “Vi como eles estão desenvolvendo suas ferramentas e sua indústria de armas e as formas de lidar com a comunidade”, disse ele. “E, em 30 anos, nunca ouvi falar que houvesse qualquer tipo de responsabilização para qualquer soldado.”
Mas ele continua. Ele deve continuar.
“Testado e retestado”
“O laboratório dos territórios ocupados é onde as coisas podem ser ajustadas, podem ser testadas, podem ser testadas novamente”, disse Neve Gordon, professora de política na Universidade Ben-Gurion do Negev. “Eles podem dizer: ‘Ei, isso foi usado pelas FDI [militares de Israel], deve ser bom.’ E isso ajuda a comercialização dos produtos.”
Mais tarde, em Ramallah, conversei com Abdallah Abu Rahmah, coordenador do Comitê de Luta Popular contra o muro e os assentamentos em Bilin. Todas as sextas-feiras – durante uma década – ele e os seus vizinhos foram até ao muro para protestar.
Por estes esforços, foram alvo de ataques noturnos por parte dos militares israelitas. O próprio Abu Rahmah foi detido e encarcerado por Israel diversas vezes.
“Há muitos relatos sobre quando eles [os israelenses] tentaram vender produtos militares e contaram aos compradores sobre seu uso em Bilin”, disse Abu Rahmah. “Coisas como skunk water (água de gambá, em tradução livre), eles usaram pela primeira vez na nossa aldeia.”
A skunk water é um líquido com cheiro pútrido que é borrifado contra os manifestantes para que eles se dispersem. “Como Bilin é famosa, às vezes eles aparecem nas nossas ações e fazem vídeos e fotos mostrando a eficácia das armas em parar a ação”, disse Abu Rahmah.
Jeff Halper, autor de War Against the People (A guerra contra o povo, em tradução livre), um livro sobre a indústria de armas e tecnologia de vigilância de Israel, disse: “Israel manteve a ocupação porque é um laboratório de armas.”
“Mas sempre houve uma tensão”, acrescentou Halper, também fundador do Comitê Israelita Contra Demolições de Casas. “Porque a direita vê a Cisjordânia como Judeia e Samaria e Gaza como Gush Katif e, claro, Jerusalém Oriental. Então eles querem tudo como parte da terra de Israel. Mas há ainda outra parte em particular, os militares e os economistas, que dizem: ‘Isso é um laboratório, é um recurso para nós, é melhor não abrir mão disso.’.”
Eitay Mack, advogado e ativista de direitos humanos que vive em Jerusalém, levanta a possibilidade de Israel usar também palestinianos como cobaias para empresas de armas estrangeiras.
Testando as balas dos EUA
“Em Jerusalém Oriental, os americanos dão balas de espuma para Israel”, disse Mack. “Primeiro, começaram com uma azul, mas depois decidiram – como eles mesmos afirmaram – que, como os palestinianos usavam muitas roupas, não era muito eficaz, por isso mudaram para uma bala de espuma preta [mais poderosa], que causou enormes danos e há dezenas de palestinos que perderam os olhos e outros órgãos do corpo.”
As balas de espuma preta são fabricadas pela Combined Tactical Systems, uma empresa com sede na Pensilvânia que também fornece gás lacrimogêneo a Israel.
O folheto da empresa para essas balas contém uma nota marcada como “cuidado”. Diz: “Tiros na cabeça, pescoço, tórax, coração ou coluna podem resultar em ferimentos graves ou fatais.”
As tropas israelenses começaram a usar balas pretas em 2014.
A indústria de armas israelense é dominada por quatro empresas: Israel Aerospace Industries, Elbit, Rafael e Israel Military Industries.
Mais de 75% de todas as armas exportadas por Israel são fabricadas pelas três primeiras dessas empresas. Em 2015, o valor total das exportações de armas de Israel subiu para 5,7 mil milhões de dólares.
O ataque a Gaza no ano anterior permitiu a Israel exibir algumas das suas mais recentes armas. Foi noticiado, por exemplo, que o Hermes-900, um dos drones da Elbit, fez a sua “estreia operacional” naquele ataque.
Israel atribui mais de 5% do produto interno bruto aos militares. Isso significa que Israel gasta uma proporção mais elevada do seu rendimento nacional nas forças armadas do que até mesmo os EUA, a única superpotência do mundo.
“A guerra vende armas”
Alguns veteranos do exército israelita desenvolveram carreiras como especialistas na indústria armamentista.
Shlomo Brom é um deles. General de brigada aposentado, ele agora trabalha no Instituto de Estudos de Segurança Nacional em Tel Aviv.
Perguntei a Brom se é verdade que as empresas de armamento israelitas usam o fato dos seus produtos terem sido testados em palestinianos para vender internacionalmente. “Claro”, ele respondeu. “Por que não usar? Os [profissionais] de marketing tentam aproveitar qualquer vantagem e se puderem aproveitar a vantagem de que esse sistema foi testado operacionalmente e funcionou, é claro que vão usar isso no marketing.”
Uzi Rubin, fundador do Arrow, programa israelense de mísseis antibalísticos, é agora pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos Begin-Sadat, na Universidade Bar-Ilan, perto de Tel Aviv.
Ele defendeu a forma como Israel comercializou suas armas como “comprovada em batalha”.
“É justo porque a Guerra do Vietnã vendeu muitas armas”, disse ele. “Guerra geralmente vende armas. Mas isso não quer dizer que Israel esteja buscando a guerra para vender armas.”
Barbara Opall-Rome passou décadas cobrindo Israel para a DefenseNews, revista especializada para fabricantes de armas. Ela defende que Israel deveria alocar maiores recursos para o que ela chama de “tecnologias menos que letais”.
Na sua opinião, a indústria de armamento israelense deveria pensar além das armas como o gás lacrimogéneo e a skunk water, que já são utilizadas na Cisjordânia.
“Estou falando em usar o espectro eletromagnético ou microondas de alta potência para deixar as pessoas tontas”, disse ela. "Se alguém fica tonto, ele perde o equilíbrio. Prefiro que as pessoas fiquem com dor de estômago e tenham diarreia bem no meio de uma manifestação ou vomitem do que sejam mortas.”
Os seus comentários revelam muito sobre a mentalidade sádica dos fabricantes de armas de Israel e dos seus promotores. Para eles, os palestinos não são seres humanos dignos de respeito, mas sim sujeitos de uma experiência cruel após outra.
Comentários
Postar um comentário